Gonzalo Márquez Cristo - PORTUGUÊS


Tradução: Teresa Salema
Nasceu em Bogotá, em 1963. Publicou Apocalipsis de la rosa (1988); o romance Ritual de títeres (1992); El Tempestario y otros relatos (1998); La palabra liberada (2001), a antologia Liberación del origen (2003); Oscuro Nacimiento (2005); Grandes entrevistas de Común Presencia (2011). Em 1989 participou na fundação da revista cultural Común Presencia (reconhecida com a Bolsa Colcultura como a melhor publicação cultural do país, 1992), de que é o director, bem como da colecção internacional de literatura Los Conjurados. Vários dos seus poemas e contos foram traduzidos para inglês, francês, italiano e português. A sua obra foi comentada por E.M. Cioran, Roberto Juarroz, José Ángel Valente, António Ramos Rosa, Alfredo Silva Estrada, Roger Munier, Olga Orozco, Eugenio Montejo, entre outros. Actualmente prepara um livro de reportagens sobre grandes artistas contemporáneos.



RESTITUIÇÕES


Pretendo que tudo o que foi perdido se converta em poema.


As feridas como os furacões têm nome. E ainda que ignore por que nascem à minha volta os abismos, desde a origem fui chagado pela felicidade, pelo seu cume inclemente.


Os restos invasores da memória. A luta da raiz. A antiguidade do silêncio...


Não ponho flores no cemitério do sonho, mas continuo apesar de todas as areias movediças do espírito.


A culpa que não te deixa partir é o amor.


E agora o nevoeiro, a chuva, a ausência...


O desequilíbrio chamado beleza, a terrível orfandade do sagrado, a rosa ígnea que me guia no desespero...


Sei que o caminho acabará por encontrar-me.


Como tudo o que se faz visível para morrer.




DESTINO DE SILÊNCIO


O olho sem cono condena-nos e por isso cultivamos o invisível.


Todo o sofrimento conduz à infância.


Minámos a entrada ao desejo e é inútil interrogar novas portas para sair do aqui. Faz-se tarde. O relógio é um roedor sigiloso.


As cores silenciarão e permaneceremos no lugar onde as árvores vêm morrer. Só ali não estaremos sós.


Por detrás do fumo sobe a minha cidade.


(Eles acharam usura na desdita, fundaram o terror solar e instauraram fábricas de espelhismos).


A vítima foi revelada. O sonho/sono agora interroga-me (Sitiaram as minhas mãos. Perseguem meu alarido).


Nenhuma questão será resolvida até que culmine o canto da água.


Hoje transitamos pelos desertos do regresso. O pouco que me deixou a noite foi-me arrebatado por quem defende este tempo incinerado.


Aqui te desperto memória.


Ilumina-me a respiraçáo.


Debaixo de uma palavra posso viver.




O REGRESSO DA VOZ


A sede é a nossa herança

Edmond Jabès


A morte entregou-me ao seu gémeo.


Alguém escapou no meu sangue...


Exercitei-me na derrota para deixar de estar só, para fundar um ardor essencial.


Soube de prisões errantes, do desejo à deriva. Fui despojado do meu nome.


Como uma avalanche o tempo vinha até nós e aquele que dormia transportava os seus náufragos.


Esperamos um sossego cruel que nos haviam prometido.


Conheci desde criança tudo o que o sol esconde e propus-me fazer a colheita antes de semear, até que o medo trouxe os seus deuses.


Sei que a semente renunciará a germinar.


Que os pássaros obscurecerão o céu.


Que  uma desdita que se canta.


Corri tornado cego. Atraiçoei a esperança e em nome do abismo às vezes fui feliz.

Ao amanhecer aprendi a liçáo do silêncio.


Mas ainda espero a única pergunta que faz nascer.




AS PALAVRAS PERDIDAS


Alguém decifra a escrita da chuva e contudo não pode escapar.


Uma avalanche de imagens extravia-nos a palavra; acudimos ao grito e ao pranto, por vezes à indiferença, mas sabemos que necessitamos da guerra para ser inocentes.


Tudo ofereceu a cinza.


Desde que desterramos a noite desapareceram as mais profundas alianças e os nossos perseguidores podem encontrar-nos.


Uma ferida sempre recorda a vida, todo o nascimento procede do seu túnel. Uma árvore arde nos nossos olhos de água.


A verdade —quer dizer o proibido— impõe o seu reino de terror... e decidimos habitá-lo com as mãos entrelaçadas.


Cremos que a poesía nos ensinaria a morrer...


Persistimos... Com frequência fazemos o estranho sorriso do medo. Se fugimos, a solidão converterá alguém em vítima. Por isso a palavra passa de mão em mão para construir uma morada invisível.


Às vezes para sobreviver renunciamos ao conhecimento.


E guando todos dormein escrevemos... Mas um poema é o fóssil de um sonho, o cadáver de um deus...


Poderemos ainda salvar-nos?




OFÍCIO DE OLVIDO

Uma mulher beija-se ao espelho, oculta-se com a sua alma, a água é a sua solidão.


Um menino escondido num armário tenta morrer.


As lágrimas dum homem caem na sua chávena de café.


Um adolescente com o indicador detém o ponteiro do relógio e estremece.


No vento há uma mensagem que não compreenderemos.


A tua sombra revolta-se.


Preparamo-nos para fugir de rudo o que amamos.


Quem não partir será esquecido.


O vento dialoga com o fogo.


Espero a minha voz.


Viajar também é o contrário da morte.


Enquanto a semente enganar o pássaro não estaremo perdidos.


Amar-nos-emos noutros rostos.


Ninguém se oculta na memória.


Virá alguém para enterrar os nossos nomes?